A eugenia avança
No início de 2012, o aborto de
anencéfalos passou a ser legalmente aceito; agora, já eliminam-se crianças com
outras anomalias genéticas graves
Publicado em 15/10/2012 –
Gazeta do Povo OPINIÃO Editorial
Um novo retrocesso no
reconhecimento da dignidade humana dos não nascidos foi dado no fim de agosto,
quando o Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou que uma jovem realize o
aborto de um feto de 16 semanas. A criança não foi concebida em um estupro, nem
é anencéfala: ela sofre de síndrome de Edwards, doença causada pela existência
de um cromossomo extra e que provoca uma série de problemas de saúde para o
portador; apenas uma minoria dos bebês com esse problema chega a nascer com
vida; desses, 90% morrem ainda no primeiro ano...
A solicitação de aborto havia
sido acertadamente recusada na primeira instância, mas o caso foi levado ao
TJ-SP, onde o desembargador Ricardo Tucanduva concedeu a liminar permitindo a
eliminação da criança, pois a jovem alegava que a continuação da gravidez
colocaria a vida da gestante em risco – uma alegação no mínimo controversa,
tratando-se de gestações de filhos com síndrome de Edwards. O desembargador
justificou sua decisão afirmando que o artigo 128 do Código Penal, que trata do
crime de aborto, deveria ser interpretado com “flexibilidade” por estar em
vigor há cerca de sete décadas.
Diante da falta de literatura
médica (atestada inclusive pelo Instituto Nacional de Saúde norte-americano)
que comprove a ligação entre a doença no feto e o risco de vida para a mãe
durante a gravidez, resta a forte suspeita de que a motivação para o aborto
seria mesmo a própria doença da criança, e não possíveis ameaças à integridade
física da jovem – até mesmo porque, em caso de risco de vida para a mãe, a
autorização judicial nem seria necessária. Um caso semelhante já havia ocorrido
em Goiás, no ano passado, com uma gestante de 41 anos que também recebeu
permissão para abortar após o diagnóstico de que seu filho tinha a síndrome de
Edwards. É assustador perceber que, mesmo sem haver certeza absoluta sobre a
ameaça à vida da mãe, nos dois casos decidiu-se pela eliminação da criança.
Também percebe-se que, apesar
de o artigo 128 do Código Penal não ter sofrido alterações no Congresso
Nacional, o Poder Judiciário vem tomando para si a atribuição de legislar sobre
o tema, abrindo brechas no sentido de tornar a legislação cada vez mais
permissiva. Com a ADPF 54, julgada no início de 2012, o aborto de anencéfalos
passou a ser aceito; agora, eliminam-se crianças com outras anomalias genéticas
graves; a julgar pelo ritmo de aceitação da eugenia intrauterina, é possível
imaginar um futuro no qual passe a ser legal negar o direito à vida de crianças
diagnosticadas com outras doenças e deficiências menos graves.
Na realidade, a perspectiva
pode ser ainda pior, pois a proposta de reforma do Código Penal em avaliação
atualmente no Senado prevê a liberação do aborto, em qualquer momento da
gestação, nos casos em que a legislação atual já não pune a prática, com o acréscimo
de situações em que o feto padeça de “incuráveis anomalias que inviabilizem a
vida extrauterina”; e, até a 12.ª semana de gestação, o aborto ficaria liberado
“quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições
psicológicas de arcar com a maternidade” – critérios puramente subjetivos e
que, na prática, dão margem à legalização ampla da eliminação de nascituros. Em
entrevista ao canal Globo News no início de setembro, o procurador Luiz Carlos
Gonçalves, coordenador da comissão de juristas que elaborou o projeto de
reforma do Código Penal, admitiu abertamente seu orgulho – e o de seus pares –
em propor a legalização do aborto em termos tão amplos.
Além disso, segundo a proposta
de Código Penal, nos casos em que a prática continua sendo crime, a pena deverá
variar de seis meses a dois anos de prisão, contra os dois a quatro anos da
legislação atual. Crimes ambientais contra animais silvestres ou de
laboratório, no entanto, seriam punidos com prisão de dois a quatro anos. Uma
legislação em que eliminar seres humanos ainda por nascer é uma falta
considerada menos grave que a destruição de um ninho de pássaros revela, na
melhor das hipóteses, uma falta de critério assombrosa – ou, na pior delas, um
desprezo deliberado pela vida humana.
É fundamental que o Congresso
rejeite a proposta de legalização do aborto feita pelos juristas coordenados
por Gonçalves, e ao mesmo tempo também é urgente que o Poder Judiciário deixe
de promover a eugenia e esticar a lei atual para além dos limites de sua
interpretação. A vida dos seres humanos mais inocentes e indefesos precisa é de
mais proteção, e não de novas ameaças movidas por uma mentalidade que só
reserva o direito à vida aos “perfeitos” e “desejados”.
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